quinta-feira, 17 de julho de 2014

Contra a corrente

Fevereiro é sempre uma festa: axé, futebol, férias, carnaval... Andavam nas ruas movimentadas, obstinados a enganar o calor do Rio de Janeiro com um simples sorvete. Enquanto caminhavam, a banda passava. Se a sorveteria estava do outro lado da rua, não havia outra saída: atravessar a rua, atravessar a multidão. Eram corajosos: foram.
Gente bêbada, suada, cheirando como urina, como sexo, como prazer e diversão. Ah, que vida boa! Quem não gosta de suspender todos os problemas e dar boas risadas e dançar e cantar e beber e beijar e tudoaomesmotempo? Quem não gosta de viver? Eram dois inconsequentes caminhando contra a corrente de pessoas que arrastavam mais pessoas, que arrastavam mais pessoas. Música tocando, uma batucada incessante. Andavam e um rapaz puxou o braço dela, que olhou para baixo e sorriu daquele momento nunca antes esperado. Agarrou-se a seu companheiro e seguiram até o destino que parecia tão longínquo. A banda empurrando, puxando, cantando, beijando, bebendo e eles só podiam rir. A banda estava o tempo todo certa fazendo aquela pressão nos corpos dos dois caretas certinhos e comprometidos. Metidos! Quem ousa estar em casal no carnaval?
Chegaram à sorveteria e riram e se abraçaram e pediram o que deviam pedir. Sentaram-se, deliciaram-se e a banda passou. Porém, antes a banda tivesse passado e carregado os dois no caminho da felicidade tão superficial que puderam ver naquele momento. Antes fossem leves e desprendidos. Antes fossem como a multidão absorta nos valores da banda e sucumbissem à festa da carne. Não se trata de pecado, é permitido. Não se trata de esquecimento momentâneo, mas de celebração do prazer de viver. Quem precisa revelar as dores que estão em casa, no travesseiro e no espelho quando se deve ser feliz? Quem precisa andar contra a correnteza de pessoas? Vamos simplificar: deixem-se levar, deixem-se separar. Um dia, quem sabe, a Deus dará, haja um encontro no meio da multidão embriagada, na madrugada, em fevereiro. Depois de devidamente aproveitada a vida, talvez haja ainda algumas festas a celebrar, mesmo que sem sorvete. Talvez ainda reste algum resquício de coragem em vidas que apenas seguem.

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